Os primeiros companheiros...

Nesse dia, ao princípio da tarde, encontrei um casal de jovens (amigos e colegas de escola na Andaluzia) muito sui generis: uma espanhola e um brasileiro. Não tendo muito tempo disponível, decidiram fazer o percurso Finisterra-Santiago. Para esta decisão influenciou também a fraca aptidão física da menina. Ele, desportista nato, mas cavalheiro preferiria um percurso maior. Depois de lhes contar porque me chamava Thorgal, também eles se atribuiram novos nomes. Infelizmente não me lembro nem dos novos nem dos velhos. Eles eram simpatiquíssimos e viajamos juntos até chegarmos ao albergue de Oliveiroa.

Estranho foi o facto de depois de uma hora a conversar em castelhano, quando pela primeira vez o rapaz me fala em português, me parecer que me falava outra pessoa. De tão surpreendido, parei e olhei para ele. Era mesmo ele mas parecia-me outro... Esta foi uma sensação que voltei a sentir com outras pessoas, mas nunca tão intensamente como alí. Como é possível que a língua falada influêncie no julgamento de uma personalidade? Não sei mas que achei estranho, achei.

O primeiro ensinamento espiritual comprovado na prática: sempre se recebe o que se dá. Passo a explicar... Trinta e cinco quilómetros não são uma jornada fácil para um experiente caminheiro e menos ainda para alguém sem qualquer hábito de exercício físico. Apartir de meio do percurso a rapariga começou a acusar o cansaço. As mochilas deles eram de boa qualidade mas estavam muito pesadas. Tinham provisões para os três dias, ou quase, que iam demorar até Santiago. O peso, o calor, as subidas e as pedras no trilho estavam a dificultar muito o caminho à miúda e, mesmo depois de várias paragens a pedido dela, o animo dela detiorava-se a olhos vistos. Estava a anoitecer e faltavam entre cinco a dez quilómetros para atingir Oliveiroa quando ela se recusou a andar mais. Sentou-se à beira da estrada e, por ela, ficaria alí até que alguém a viesse buscar (carregar). As nossas palavras de apoio e incentivo já não surtiam efeito. Tivemos que passar acção. Pegámos na mochila dela, um em cada alsa e convençemo-la a seguir-nos. Resultou! Parece que dez quilos a menos sempre fazem alguma diferença. Mas nem sempre é assim: para mim e para o outro aquele peso extra foi anormalmente fácil de carregar. Se estavamos cansados antes daquela última paragem agora parecia estarmos mais frescos. Ao partilharmos da nossa força com quem dela precisava, recebemos força. O mundo material, por muito que não pareça, funciona como o mundo das ideias: ao partilhar uma ideia não se fica sem ela, mas sim, ela fortalece-se...

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