Um corvo debaixo de chuva...

No dia seguinte, iamos continuar o percurso juntos. Mas, por causa do meu gosto (eufemismo para vício) pelo café que eles não partilhavam, deixei-os no albergue para ir ao bar onde havia jantado na noite precedente. Encontrar-nos-íamos pouco depois no caminho. No bar comprei mantimentos e pedi direcções para encontar o caminho: "vira à direita depois da ponte"...

O problema de se caminhar em sentido oposto ao natural nos caminhos de Santiago é que, as setas, como estas que indicam a direita como direcção a seguir, apontam para onde segue o percurso, mas nem sempre é obvio de onde ele vem. A experiência acaba por ensinar a olhar para os sinais: pégadas de botas, orientação dos marcos (que tendem a estar de face diretamente virada para de onde vêm os peregrinos), ou esperar até que venha alguém com uma mochila às costas - de onde vier é para onde vamos... Há ainda duas alternativas menos fáceis: a primeira, procurar e perguntar a alguém de onde vem o Caminho (o que é uma chatice, pois sempre temos que explicar porque vamos na "direcção errada", normalmente depois do nos indicarem a rota de onde viemos umas poucas de vezes - lembrem-se que as dificuldades linguísticas, apesar de ténues, ainda existem) e a segunda, perguntar à nossa própria intuição e seguir a sua orientação (creio não ser necessário explicar os possíveis inconvenientes desta escolha).

Saí do restaurante, segui a estrada passando por uma quase imperceptível ponte e cheguei a um cruzamento. Alí, achei estranho a inexistência de setas ou marcos, mas virei à direita. Alí, lembrei-me que não tinha ainda nome... Pedi a Deus que me desse um sinal e, quase de imediato, ouvi o gralhar de um corvo. Corvo!

Só uma hora, cinco quilómetros em estrada e nenhum peregrino depois é que tive a certeza que estava fora do Caminho... Voltar para trás era demasiado frustante e decidi continuar por estrada, com a ajuda do mapa da península ibérica que tinha.

Aos primeiros aquaçeiros ainda me abriguei até que passassem mas se continuasse assim nunca chegaria nesse dia a Negreira, único albergue entre Oliveiroa e Santiago (na foto). Na primeira vila que encontrei comprei um verdadeiro oleado, daqueles verde-azeitona pelos quais a água não passa, bem melhor que a capa plástica que trazia que, apesar de permitir a saída da humidade da transpiração também permitia a entrada de água em caso de chuva forte.

Foi um dia difícil, com chuva, cansaço, alguma desorientação e ainda mais chuva. Sózinho? Nããão... Deus sempre está comigo!

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